quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Os "bifes" de Little Witch Academia



Muito bem.

Acabei de assistir as duas temporadas de Little Witch Academia no Netflix.

A primeira é legalzinha.

Mas a segunda…

É uma bosta.

E, quando eu lembro dos OVAs que vieram antes da série, eu fico ainda mais irritado.

Que o segundo OVA é infinitamente melhor que a segunda temporada da série.

Sabem por quê?

Por causa dos bifes.

Seguinte: existe a expressão em inglês “high stakes”, que eles usam no sentido de “altos riscos”, e que num contexto narrativo é usada para descrever o quanto está em jogo na história, ou seja, o que vai acontecer caso o personagem principal da história não consiga cumprir seu objetivo.

Como “stakes” é homófono de “steaks”, que significa “bifes” em português, criei o hábito tonto de chamar esse “o que está em jogo na história” de “bifes”.

E Little Witch Academia tem sérios problemas com seus bifes, principalmente na segunda temporada.

Antes de continuar, melhor avisar: spoilers para Little Witch Academia, tanto dos OVAs quanto do animê, e para Kill la Kill.

Muito bem, durante a segunda temporada de LWA, a história gira em torno das sete palavras de Arcturus que a Akko precisa pra despertar a magia suprema. Ela já tinha descoberto umas três durante a primeira temporada, que conta mais o dia-a-dia dela na escola de magia, mas na segunda esse plot se torna o foco da série.

Além disso, vamos aprendendo a relação que essas sete palavras têm com a professora Ursula, que secretamente é a ídola de infância da Akko, a Shiny Chariot, e com a professora Croix, que é a vilã da história toda.

Até aqui, nenhum problema.

A merda acontece quando, de repente, as sete palavras precisam ser usadas para impedir uma guerra nuclear que está começando por causa de futebol.

Sério.

Existe todo um sub-plot totalmente desinteressante e mal-trabalhado em torno de um monte de personagens sem a menor graça que só estão lá para ter algum personagem masculino com alguma importância (já que a escola da Akko é só pra garotas), e perto do final esse fiapo de história se torna a justificativa para ter toda uma pirotecnia nos últimos episódios.

E eu assisti tudo isso sem me importar com porra nenhuma. Na verdade, eu estava mais me irritando com a maneira como a história se forçou para ficar exagerada do que realmente torcendo para as bruxinhas salvarem o mundo.

Nós passamos a série inteira acompanhando os dilemas da Akko com as professoras e as colegas, e o relacionamento entre todas elas é o foco da maior parte dos episódios, desde a primeira temporada. Logo, os bifes mais interessantes são aqueles envolvendo esses relacionamentos. Eles são as picanhas da série, que vão se resolvendo perto do final, quando aprendemos mais sobre a juventude das duas professoras, quando temos o momento que a Ursula finalmente se revela como a Chariot para a Akko, e até mesmo quando a Diana e a Akko ficam amigas.

Logo, todo o investimento emocional que o espectador faz na série se resolve antes do fim. Só que como precisava ter um showzinho pra justificar o dinheiro que a Netflix investiu, o estúdio Trigger enfiou do nada uma carne de pescoço que passou do ponto e esperou a gente aproveitar ele como se fosse uma sobremesa depois da picanha, e fez essa bosta toda com a guerra nuclear e coisa e tal. Essa analogia com carnes está ficando cada vez mais estranha.

E por que o estúdio Trigger fez isso?

Por causa de Kill la Kill. Para quem não sabe, ele é o mesmo estúdio que fez Kill la Kill, e esse animê também possui um final absurdo com bifes envolvendo salvar o mundo inteiro. Só pra constar, eu adoro Kill la Kill, é um dos meus animês favoritos dos últimos anos.

E como Kill la Kill fez um puta sucesso, acho que tanto o pessoal do Netflix quanto o pessoal do Trigger decidiram que fazer uma coisa parecida com LWA ia ser uma boa idéia.

Só que não foi.

Porque em Kill al Kill, os bifes envolvendo a salvação do mundo estão ligados aos bifes pessoais da Ryuko, a personagem principal. A história dela vai evoluindo de maneira orgânica até o ponto que ela precisa salvar o mundo, pois a motivação inicial dela, vingar o pai, está ligada à pessoa que quer destruir o planeta: sua mãe.

Sem contar que desde o começo o universo é um absurdo sem fim, então quando os exageros acontecem, eles ainda estão dentro do esperado.

LWA não trabalhou esses absurdos em escala global desde o começo e não soube ligar os bifes da Akko com a salvação mundial, e por isso o final da segunda temporada é uma bosta.

E sabem o que é o mais irritante nisso tudo? O fato do segundo OVA saber trabalhar um bife muito melhor, e ter me prendido muito mais que essa porcaria de segunda temporada.

Porque o grande bife do segundo OVA é a amizade da Akko com suas melhores amigas, a Lotte e a Sucy.

Isso é infinitamente mais importante que uma guerra nuclear.

Que é o seguinte: nos OVAs, dá pra ver como a amizade da Akko é importante para a Lotte, mas o egoísmo da protagonista chega num ponto que a amiga não agüenta mais e se afasta, levando consigo a Sucy, que deu razão à Lotte.

Só que a Akko percebe como sua amizade com as duas é importante para ela também, e o resto do OVA inteiro é sobre o bife delas voltarem a ser amigas ou não.

E isso é muito, muito, muito melhor que uma guerra idiota que saiu de lugar nenhum, pois é a evolução do problema que acompanhamos desde o começo dos OVAs. Se você se importa com as personagens, você se importa com a amizade delas.

Por isso que o final da segunda temporada de LWA me frustrou tanto. Os personagens e seus relacionamentos são jogados de lado em prol de espetáculo, e eu detesto isso. Os melhores bifes envolvem os personagens e fazem as melhores histórias.

Fica melhor ainda quando dá pra juntar o bife do personagem com um bife espetacular e exagerado, fazendo um churrascão, que nem aconteceu em Kill la Kill. Espero que saia um desses do próximo projeto do estúdio. Infelizmente, em LWA ficamos com uma carne de terceira.

Agora, se vocês me dão licença, este papo todo me deu fome.