quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Perda, empatia e gente tosca no facebook

Olá.

Então.

Este texto era para ser uma resposta para um post que apareceu no meu facebook hoje, 14/01/2016, mas acabei decidindo que fazia mais sentido colocá-lo aqui.

Primeiro, um pouco de contexto: o ator Alan Rickman faleceu hoje, vítima de câncer. Estou sinceramente triste com isso, pois realmente admirava o trabalho dele em Harry Potter e em Die Hard.

Alguns dias atrás, em 10/01/2016, foi o músico David Bowie quem faleceu, também vítima de câncer. Ainda estou triste com isso, pois realmente gostava de diversas das suas músicas.

Tendo dito isto, nenhuma das duas mortes me deixou, digamos, arrasado. Eu gostava e admirava muito tanto eles quanto seus trabalhos, mas não foi tão forte, para mim, quanto o falecimento de Sir Terry Pratchett e de Satoru Iwata-san.

Mas não é por isso que eu vou criticar ou desmerecer a dor que muita gente está sentindo nestes dias.

Porque eu tenho certeza que, para muita gente, a perda desses dois artistas provavelmente está sendo tão, ou até mais, dolorosa quanto a morte do meu autor favorito e de um dos meus desenvolvedores favoritos de games foi para mim.

Sério, podem chorar, ficar bravos, descarregar a frustração no twitter, postar longas declarações de amor e perda no facebook, que eu imagino como deve estar doendo. Se fazer isso ajuda, faça. Eu vou ler tudo o que vocês postarem. É só eu conseguir achar, porque internet.

A única coisa que eu não admito, e que apareceu no meu facebook, e que está me enfurecendo, são pessoas relativizando a dor alheia com declarações como “milhares morrem todos os dias” ou “mas ninguém aqui está derramando uma lágrima sequer pelas crianças morrendo na África” ou “ninguém é melhor que ninguém, não chorem por ele”.

Não faça isso.

Não desmereça ou despreze a dor alheia, ainda mais quando ela vem do falecimento de alguém.

Para começar, fazer isso é uma das coisas mais escrotas e desprezíveis que alguém pode fazer. Imagino que quem faz isso o faz como uma demonstração de poder, mesmo que não perceba. Me parece que essas pessoas querem esfregar na cara do mundo que “há, não estou triste, essa morte não me afeta, sou melhor que vocês!”

Não. Errado. Você não é melhor que ninguém, só está agindo como um sociopata desagradável, um bostinha chamando atenção.

Esse é um grande problema da nossa sociedade, nós valorizamos demais a ausência de sentimentos. Sentimentos ainda são vistos como fraquezas, e aquele que menos sente mais forte aparenta ser. Isso me parece ser um reflexo do sexismo arraigado na sociedade, que “homem não chora”, e como ser homem é melhor, chorar é ruim.

E isso é uma merda. Eu acredito muito que iríamos ser pessoas mais saudáveis e ter relacionamentos mais significativos se fossemos um pouco mais honestos com nossos sentimentos (sim, eu sou um ser meloso auto-ajuda), mas, infelizmente, ainda não conseguimos fazer isso. Parar de desmerecer a dor alheia seria um ótimo primeiro passo para termos uma sociedade mais emocionalmente saudável.

“Ah, mas as pessoas que estão afirmando isto não o fazem para desmerecer a dor dos outros, mas sim o fato dessas pessoas estarem tristes por alguém que elas nunca conheceram! Elas só estão tristes porque morreu um artista famoso.”

Então.

Não justifica.

Na verdade, é ainda pior, de certo modo.

Porque essa crítica, se é que posso chamar isso de crítica, está ignorando o papel e o poder da arte na vida das pessoas.

Arte é criada a partir de idéias e sentimentos para nos fazer refletir e sentir. Seja um livro, um filme, uma música, uma pintura ou mesmo um videogame. Arte enriquece a vida das mais diversas maneiras, podemos dizer até que é algo que faz viver valer a pena.

Quando uma obra nos toca, nos emociona, ou mesmo nos faz repensar nossas idéias e nossa visão de mundo, nós a vinculamos com nossa própria personalidade, com nossa auto-imagem, e sentimos, com isso, uma conexão profunda com o artista que a criou.

É por isso que ficamos tristes quando alguém que criou algo importante para nós morre. Nós sentimos como se essa conexão tivesse sido cortada. Esse artista, que nos ajudou a entender mais sobre nós mesmos, cujo trabalho se tornou uma parte importante da nossa identidade e que parecia que sempre estaria lá, com uma obra nova, enriquecendo nossas vidas, de repente, se foi.

E isso dói. Muito.

Não importa que nunca o conhecemos ao vivo, ou que não temos nenhum grau de parentesco. Essa conexão criada através da arte é algo muito profundo, um laço muito importante para nossas vidas.

Por isso que é um comportamento lamentável criticar aqueles que sofrem com a perda de um artista. Porque você não apenas está sendo insensível com a pessoa que está sofrendo, você também está sendo obtuso e ignorante com o poder e o valor da arte na existência humana.

Agora que estou pensando, é capaz de que quem critica aqueles que sofrem pela perda de um artista nunca tiveram esse tipo de experiência. Nunca viram ou ouviram ou vivenciaram uma obra de arte que a tocou profundamente, que enriqueceu a vida dela. Talvez eu não devesse estar furioso com essas pessoas, mas sim triste por elas.

Porque não deve ter nada mais triste que viver uma vida sem arte.