sexta-feira, 22 de maio de 2015

Arroz vitaminado

Olá. Faz tempo, não? É que eu tenho me dedicado um pouco mais ao blog sobre games, não tenho tido tempo o bastante para escrever aqui. Aliás, fiz um blog sobre games. Visitem lá também, caso o assunto interesse. Inclusive, resolvi incorporar aqui a divisão por tópicos que eu faço por lá, com conclusão e tudo.

Só que houve outro motivo para a demora deste post: pesquisa. Estive estudando o que pude nestas últimas semanas para me sentir seguro o bastante para escrever sobre o tema deste post: o arroz dourado.

Sim, este brasileiro descendente de japonês vai falar de arroz. Mais clichê que isso, só se fizesse um mangá de carnaval.



Nota mental: criar um mangá de carnaval.

O próximo fenômeno da Shonen Jump.

De qualquer maneira, arroz dourado. Se você já ouviu falar dele, você provavelmente já tem uma posição sobre o assunto. Mas eu ia ficar muito feliz se você lesse até o final antes de comentar para entender meu ponto de vista. Ah, e não dá spoiler para quem não conhece o que é, por favor.

Vamos lá?

Conceitos básicos


O que é o arroz dourado? É um tipo de arroz. E é dourado. O que faz dele o melhor arroz, pois Gold is Best. Best. Best. Best.

Mas mais do que isso, ele é um arroz enriquecido com betacaroteno.

Alguém lembra o que é betacaroteno? Das aulas de biologia da sétima série/oitavo ano?

Tem o link para a Wikipedia aqui, caso queira ler com detalhes, mas vou fazer um resuminho simples: betacaroteno é, além de uma palavra muito boa para forca, um pigmento que pode ser ou amarelado ou alaranjado e que está presente em diversos vegetais, como a cenoura, a abóbora e a manga. Ele que dá a coloração do arroz dourado. Seu principal papel relacionado à saúde humana é ser a mais importante fonte de vitamina A da nossa alimentação. Até onde meu conhecimento de leigo pôde chegar, nossos intestinos delgados sintetizam o betacaroteno com proteínas produzidas pelo nosso corpo e absorvem a vitamina A resultante. Provavelmente é bem mais complexo que isso, mas acho que deu para ter uma idéia.

Portanto, o propósito de enriquecer o arroz com betacaroteno é termos um arroz que seja uma fonte de vitamina A.

Alguém se lembra da importância de vitaminas? Da vitamina A (me dá)? Das propagandas de Danoninho e Bono e Passatempo e sei lá o que mais que tinha vitaminas e minerais para crianças?

Novamente, para quem quiser, links para a Wikipedia: vitaminas e vitamina A. Explicação simplificada feita por um leigo (eu): vitaminas são compostos químicos necessários para a nossa saúde/sobrevivência e que o corpo não consegue produzir sozinho, então é preciso comê-los (no caso da vitamina D, além de ingerí-la precisamos sintetizá-la com a luz do sol). Um fato interessante é que vitaminas variam de organismo para organismo - cachorros, por exemplo, não precisam de vitamina C, eles a produzem naturalmente (se saudáveis). Só que essa definição descreve um monte de coisas, como minerais, proteínas, gorduras, pão de queijo, Coca Cola, etc, então precisamos refinar a definição de vitamina. Aí que a coisa complica um pouco, porque a classificação exata me parece uma coisa meio arbitrária, só para manter a palavra “vitamina” viva. Basicamente, vitaminas são os compostos orgânicos que precisamos menos que outros mas com uma freqüência maior que os demais. Sério, pelo que eu li, me pareceu que essa é a única diferença. Se alguém melhor informado que eu puder me ajudar a esclarecer isto, agradeço.

Enfim, a vitamina A é “a da visão noturna”, como decorei para uma prova e me lembro até hoje, sendo muito importante para nossa visão em geral, não só a noturna (inclusive, se bem me lembro, uma das minhas professoras até falou que a piada da cenoura ser boa para os olhos e é por isso que não vemos coelhos usando óculos tinha um fundo de verdade por causa da alta quantidade de vitamina A na cenoura). Ela também é importante para a manutenção do sistema imunológico, replicação genética, saúde da pele e outras coisas mais que tenho medo de listar para não correr o risco de passar informação errada.

A única coisa que eu quero acrescentar é que suplementos vitamínicos, a não ser que você tenha sido diagnosticado com um problema de saúde por um profissional sério de medicina de verdade, não são necessários para o nosso dia-a-dia. Traduzindo: não fiquem se enchendo disso na base do achismo que não ajuda em nada e é possivelmente perigoso.

Se bem que, como estou sempre ressaltando, não sou um especialista, só estou repassando o que tenho de informação. Inclusive, se alguma coisa que eu falei estiver errada, me avise que posso muito bem corrigir este texto.

Continuando com a vitamina A: ela é importante para nossa saúde e a falta dela pode gerar diversos problemas, de cegueira até morte, principalmente em crianças e grávidas.

Sério.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, entre 250.000 e 500.000 crianças perdem a visão por ano decorrente da falta de vitamina A. Sim, a variação entre esses dois números é bem alta, imagino que seja por causa da dificuldade de registrar todos os casos, principalmente em regiões mais pobres ou de difícil acesso. Mas mesmo que tomemos o número mais conservador, estamos falando de 250.000 crianças perdendo a visão por ano. É muita gente. Para piorar esse fato já deprimente, é estimado que aproximadamente metade dessas crianças que perderam a visão eventualmente morra por falta de vitamina A.

Ou seja, vitamina A é uma coisa importante.

Ainda de acordo com a OMS, a África e o sudeste asiático são os principais pólos desse problema, onde não há acesso fácil a fontes boas de vitamina A. Mas não é como se o problema não existisse no Brasil, encontrei alguns artigos e estudos comentando sobre a deficiência nas camadas mais pobres da população brasileira e que é um problema de saúde pública sério, mas pelo que entendi, eles foram feitos com amostragens relativamente pequenas, por isso não são o suficiente para termos uma noção precisa do tamanho do problema. Se bem que posso estar desatualizado, se alguém tiver informações mais novas, por favor me indique.

Assim voltamos ao arroz dourado.

A épica epopéia de uma descoberta científica, o arroz dourado parte I: A origem


Se você não pegou a referência, não se preocupe que provavelmente vão fazer mais 
quinhentas crises e reboots para recontar esta história.

Como dá para imaginar, o problema da falta de vitamina A em regiões mais pobres do mundo não é de hoje. Diversos programas já foram testados em diversas regiões do mundo, como distribuição de suplementos vitamínicos e campanhas de educação alimentar mas, infelizmente, a maior parte deles obteve sucesso limitado e por isso sempre estivemos (estou usando o “nós, a raça humana”) buscando novas soluções para resolver ou pelo menos aliviar o problema. Uma das soluções pensadas era tentar enriquecer alguma comida com vitamina A, assim como fazemos com o iodo no sal de cozinha ou o flúor na água, para facilitar o acesso da população à vitamina usando um alimento que já é parte de sua rotina alimentar. Pode parecer uma solução um tanto paternalista, mas às vezes um governo tem que levar a saúde até a população de um jeito ou de outro.

Infelizmente, essa não era uma tarefa fácil, e em vários níveis.

O primeiro grande obstáculo tinha a ver com o lado científico da coisa toda: cereais e grãos, como arroz e cevada, por exemplo, eram alimentos considerados complexos demais para enriquecer com qualquer coisa na época.

Que época é essa? Estou falando das décadas de 1970 e 1980, para vocês terem uma idéia de quando começou-se a tentar criar essa solução. Muito se estudou e se experimentou sobre o assunto, mas sempre surgia um problema novo. Não que isso não faça parte do progresso científico, e em 1990, após muito suor, finalmente veio o ponto de virada, quando um casal de cientistas indianos trabalhando na Suíça, Swapan e Karabi Datta, conseguiram desenvolver um método de trabalhar o arroz que permitiria seu enriquecimento com betacaroteno.

…Na teoria.

Ou melhor, já que estamos falando de ciência, vamos usar a terminologia correta: hipoteticamente, seria possível usar o método criado pelos Dattas para enriquecer o arroz com betacaroteno, mas antes seria preciso experimentar para ver.

A questão é que o trabalho deles não tinha o enriquecimento do arroz com betacaroteno como objetivo principal, ele girava em torno de conseguir melhorar a produção de arroz, pelo que eu entendi. Não consegui ler o estudo porque não o encontrei disponível de graça, mas acho que mesmo se eu tivesse lido não ia entender muito profundamente a questão toda, não sou um especialista na área.

Só que um cientista alemão chamado Ingo Potrykus, que era, na época, um dos diretores desse centro de pesquisas suíço onde os Dattas trabalhavam, que foi o responsável por contratá-los, principalmente por acreditar no potencial do trabalho deles com arroz, e que sempre se dedicou ao estudo de cereais e como usá-los para melhor alimentar a humanidade (sério, pelo que eu li, esse cara dedicou a vida a tentar descobrir meios de melhor nutrir literalmente todo mundo) olhou para os resultados obtidos por eles e disse:

– Bicho, teu estudo é supimpa! Vai dá pra pôr um betacaroteno massa nesse arrozinho, morô?

Era o final dos anos oitenta, as pessoas falavam assim na época. Acho.

De qualquer maneira, Ingo resolveu iniciar um projeto com o objetivo de enriquecer o arroz com betacaroteno.

Antes de falar desse projeto, acho interessante parar um pouco e responder à seguinte pergunta: por que tanta obsessão com arroz? Por que não enriquecer o trigo, ou a cevada, ou qualquer outro cereal ou grão?

A resposta pode parecer meio preconceituosa, mas como é verdade e eu sou descendente de asiático, eu posso falar com todas as palavras: porque como um dos principais pólos de deficiência de vitamina A é o sudeste asiático e lá se produz e se come arroz pra burro, o arroz é o veículo perfeito para suprir a necessidade de vitamina A. Tipo, lá se come muito arroz mesmo. Comer arroz é parte da identidade cultural. Arroz faz parte das três refeições diárias, se a maior parte da população local tivesse como ter três refeições diárias. Nem sei porque estou explicando tanto, a gente come arroz a rodo aqui no Brasil também, dá pra entender o porquê da escolha do arroz. Arroz, arroz, arroz.

De tabela, o arroz também é muito consumido em partes da Índia, outro lugar que sofre bastante com falta de vitamina A, e em algumas regiões da África (apesar de que eu acho que a solução sendo estudada para a África é a batata doce, mas essa é outra história).

E por que o arroz é tão consumido nesses lugares? Porque ele cresce nesses lugares. Não ia adiantar fazer, digamos, um trigo enriquecido com betacaroteno se não há condições adequadas para o plantio de trigo.

Sem contar que, se a solução fosse fácil assim, simplesmente levar outra hortaliça para lá, plantá-la e introduzí-la no cardápio local sem nenhuma resistência, já tínhamos enchido a região de cenoura e pronto.

Resumindo: arroz lá é que nem arroz com feijão aqui: todo mundo come. Por isso que o nosso cientista alemão Ingo queria tanto achar uma maneira de enriquecer o arroz com betacaroteno.

Vencida a primeira grande barreira científica, estava tudo pronto para começar mais uma grande jornada de estudos, experimentações e análises rumo à descoberta de novos meios de salvar a humanidade.

Só que ainda faltava uma coisa: dinheiro. O segundo grande obstáculo da nossa história.

A épica epopéia de uma descoberta científica, o arroz dourado parte II: A jornada


Se você não pegou a referência, não se preocupe que provavelmente todos
os Playstations lançados até o final dos tempos terão este jogo.

O centro onde Ingo trabalhava, o departamento de botânica do Instituto Suíço de Tecnologia de Zurique (ETH Zürich) (é uma universidade) (o Einstein foi professor de física teórica lá, para vocês terem uma idéia), pertence ao governo suíço, mas a verba para a realização de projetos tinha que vir de fora, o que o levou a caçar investidores. Não foi fácil.

O problema não era, como muitos possam imaginar, que ninguém quisesse dar dinheiro para salvar a humanidade. Se parar para pensar, era do interesse de diversos governos financiar um projeto desses (o governo indiano, por exemplo, ajudou com o estudo dos Dattas). O problema era que mesmo com a descoberta dos Dattas, a perspectiva de enriquecer o arroz com betacaroteno parecia muito improvável, o que levava financiadores em potencial a temer investir em algo que provavelmente não ia dar resultado.

Mas Ingo estava realmente determinado. Após tentar alguns lugares, foi até a Fundação Rockfeller, uma instituição filantrópica fundada em 1913 e que até hoje financia diversos projetos e estudos científicos de caráter humanitário, e conseguiu o financiamento que precisava. Não porque ele tenha convencido o conselho científico da viabilidade do projeto, mas porque o problema da falta de vitamina A era considerado algo tão importante que a Fundação resolveu apostar no projeto, mesmo duvidando que algum resultado fosse alcançado.

Ao mesmo tempo que buscava investidores, Ingo organizava uma equipe para trabalhar no projeto. Nesse período, conheceu Peter Beyer, um biólogo professor na Universidade de Freiburg, na Alemanha (curiosidade: essa universidade foi fundada em 1457, criando um contraponto interessante com uma loja de bolos que tem aqui perto de casa e tem escrito na placa “desde 2013”), e nele encontrou um companheiro de aventuras para ajudar o projeto não apenas com o seu intelecto, mas com um segundo centro de pesquisas para trabalhar junto.

Agora que Ingo tem o embasamento científico, o dinheiro, a equipe e um parceiro, está tudo pronto para o arroz enriquecido com betacaroteno ser criado. Se isto fosse um filme, provavelmente começaria uma montagem, com os cientistas trabalhando, se frustrando, varando a noite, discutindo e apontando para fórmulas estranhas numa lousa, trabalhando mais, até vir uma cena onde alguém tem um insight e descobre uma solução inovadora e espetacular, seguido de high-fives e abraços, um deles com o interesse romântico do autor(a) da descoberta, seguido de um beijo espetacular com a câmera girando em volta do casal, provavelmente na chuva. Porque estaria chovendo no laboratório eu não faço idéia, mas Hollywood.

Não sei como aconteceu na vida real (eu não estava lá), imagino que não tenha sido tão mágico assim (sério, não acho que chova dentro de um laboratório, a não ser que seja um estudo para ver as conseqüências de uma chuva artificial na produtividade de um laboratório), mas houve um “momento insight” no projeto quando Peter Burkhardt (não encontrei links específicos para ele), um cientista que entrou no projeto para tirar seu PhD, encontrou um meio de inserir nutrientes no arroz sem alterar o desenvolvimento da planta. Era um grande avanço rumo ao objetivo final, pois isso provou que era possível criar o arroz com betacaroteno sem ter que reinventar as plantações de arroz, permitindo que até mesmo o mais humilde dos agricultores de arroz cultivasse a nova planta.

Mas não foi uma descoberta da noite para o dia, como alguns de vocês possam estar imaginando. Só para contextualizar um pouco: o estudo dos Dattas foi publicado em 1990, Ingo conseguiu fundos com a Fundação Rockfeller em 1992 e a descoberta de Burkhardt foi em 1997. Oito anos entre um passo científico e outro.

Ciência. É difícil.

Após essa descoberta, o trabalho acelerou, e após dois anos (1999) aperfeiçoando e acrescentando ao trabalho de Burkhardt (e tendo mais alguns insights hollywoodianos no caminho), o time conseguiu apresentar a primeira versão do arroz dourado. Bem, dourado é um certo exagero, vamos chamar de arroz amareladinho. E, assim como a cor, a quantidade de betacaroteno nele não era grande o bastante para suprir as necessidades de alguém que só tivesse o arroz como fonte de vitamina A.

Mas, como já dizia o ditado que eu acabei de inventar: “depois que você faz a primeira, as seguintes são mais fáceis”. Na segunda geração do arroz dourado os níveis de betacaroteno eram suficientes para suprir a necessidade de um adulto, e eles vieram melhorando esses níveis a cada geração.

Imagem tirada do site oficial do projeto do arroz dourado.

E como só o betacaroteno não era o bastante, uma das cientistas do projeto, Paola Lucca, encontrou uma maneira de enriquecer o arroz com ferro, melhorando ainda mais o potencial nutritivo dele.

Ciência. É o máximo. E o arroz dourado também.

Aí alguém vem e pergunta:

– Se o arroz dourado é uma coisa tão boa, por que não ouço falar mais dele? Por que ainda temos problemas de falta de vitamina A no mundo?

Muito bem.

É complicado.

[Respira fundo]

Vamos lá.

A épica epopéia de uma descoberta científica, o arroz dourado parte III: A revelação


Se você não pegou a referência, não se preocupe que estes filmes vão ser
lançados em todos os formatos de mídia possíveis imagináveis pelo resto da história.

O arroz dourado ainda não foi implementado no combate à falta de vitamina A por causa de um dos dois últimos obstáculos enfrentados por ele. Mas, para podermos entendê-los, temos que falar sobre o elefante na sala: como foi que Ingo, os Dattas, Peter, o outro Peter, Paola e todos os demais cientistas envolvidos nas diversas fases do projeto conseguiram enriquecer o arroz? Qual foi o método utilizado? Como a ciência conseguiu fazer essa maravilha? Por que eu continuo fazendo essas perguntas sendo que vocês já sabem a resposta?

Engenharia genética.

O arroz dourado é um alimento transgênico.

Não contei de cara para evitar muitos pré-conceitos sobre ele antes mesmo de eu ter começado a história. Mil desculpas se ofendi alguém no processo, mas às vezes um escritor (hahaha, escritor, você? Hahaha) quer esconder o jogo, até para prender o leitor.

De qualquer maneira, voltando para o fato do arroz dourado ser um transgênico.

Se saber isso mudou sua opinião sobre o arroz, sobre o trabalho de todos esses cientistas, sobre as motivações deles, sobre a Fundação Rockfeller e as universidades envolvidas, fazendo com que você seja contra o arroz dourado, peço por favor que você respire fundo e me permita terminar de falar sobre isso antes de você ir me xingar muito nos comentários.

Agora, se esse fato potencialmente mudou um pouquinho a sua opinião sobre alimentos transgênicos, ou pelo menos te faz refletir sobre sua posição quanto ao assunto, eu fico muito feliz e espero que você continue lendo para eu poder aprofundar o tópico.

E, se você é pró-transgênico, espero que o resto deste post seja pelo menos uma leitura interessante.

Muito bem, por onde começar?

Acho bom preencher as lacunas deixadas na história. Primeiro, sobre os Dattas: a descoberta deles? O primeiro arroz transgênico. Antes deles, não sabia-se como trabalhar os genes do arroz com bons resultados. Depois deles, criaram os arrozes transgênicos básicos, por se assim dizer: resistentes contra insetos, pesticidas, etc.

Segundo: a importância de Peter Beyer no projeto. Não citei ele apenas por ele ter se tornado o companheiro de aventuras de Ingo - seu trabalho prévio estudando os genes do narciso, ou melhor, das espécies do gênero Narcissus, foi crucial para a obtenção do arroz dourado, pois um dos genes utilizados na sua criação veio do Narcissus pseudonarcissus.

Terceiro: o ponto de virada de Peter Burkhardt. Agora é a hora que eu provavelmente vou falar bobagem, mas foi isso o que eu entendi que ele descobriu: uma maneira de “despertar” alguns dos genes que cuidam da produção de betacaroteno e que já existem no arroz sem prejudicar o crescimento da planta.

Quarto: os dois anos “aperfeiçoando e acrescentando ao trabalho de Burkhardt” envolveram a segunda parte do problema que ele resolveu. Pelo que eu entendi, ele fez com que o arroz continuasse saudável após “cutucar” um gene, mas para o arroz produzir o betacaroteno direito, era preciso “cutucar” dois. Sim, antes que alguém pergunte: só são modificados dois genes do arroz para ele virar o arroz dourado, e isto é considerado surpreendentemente pouco no meio científico especializado, pelo que eu pude entender.

Quinto: o trabalho de Paola Lucca. Novamente, estou reportando a partir do que eu consegui compreender: o arroz já possui uma quantidade de ferro, mas é ridiculamente baixa e um químico naturalmente presente no arroz atrapalha a absorção de ferro pelo organismo, então a solução foi um combo: aumentar a quantidade de ferro retida no grão e diminuir a ação desse químico. Esta intervenção para enriquecer o arroz com ferro não foi tão eficiente quanto a do betacaroteno: três genes precisaram ser modificados (estou sendo sarcástico - três ainda é considerado pouco).

Acho que isso cobre os principais buracos da história. Imagino que um engenheiro genético leia minha descrição dos fatos e fique com vontade de me dar um tabefe, dada a minha ignorância no assunto, então vou deixar aqui o link para a versão da história narrada por Ingo, que é bem mais aprofundada na ciência utilizada (mas leia depois de ler o meu post inteiro, senão você vai perceber que 60% do meu texto é eu recontando o que ele conta no dele).

Mas como eu não me contento em deixar as coisas por aqui, vou dar uma explicaçãozinha rápida de como eles fazem o arroz produzir o betacaroteno: o arroz, na verdade, já possui o “maquinário” para produzir betacaroteno. Só que ele fica desligado no grão e é tremendamente ineficiente. Na folha do arroz ele é ativo, tem betacaroteno nela, mas é numa quantidade bem ínfima. E a gente come o grão do arroz, não a folha. A solução é introduzir um gene para ligar a “fábrica” e outro para melhorar a produção. Produto final: arroz betacarotenado!

Foi isso que eu entendi. Sério, vou ficar repetindo isso de “o que eu entendi” até o final deste post, porque é isso que eu estou repassando, mil desculpas engenheiro genético que está com o estômago virado de ler minhas explicações. Aliás, senhor engenheiro genético, obrigado por visitar o meu blog! Indique para seus amigos!

Voltando.

Vamos falar agora sobre testes, porque testaram o arroz dourado pra tudo e mais um pouco.

Reações alérgicas? Testado. Resultado: nenhuma.

Problemas no sistema digestivo de quem consome? Testado. Resultado: nenhum.

Alterações no desenvolvimento e crescimento da planta? Testado durante o desenvolvimento do projeto, como já relatei. Resultado: nenhuma.

Impacto negativo no meio ambiente? Testado. Resultado: nenhum (este teste foi feito com arrozes transgênicos em geral, não com o dourado especificamente, mas como ele focava em acompanhar a dispersão dos genes modificados nas plantas nativas, o resultado também vale para o arroz dourado - até onde eu entendi, mas eu vou acreditar nos engenheiros genéticos envolvidos nesse estudo).

Gosto? Testado. Resultado: não foi notada diferença em relação ao arroz normal.

Resumindo: o arroz dourado é seguro não só para o consumo humano como para o meio ambiente. Com isso, só nos sobra o último teste:

Melhoria na quantidade de vitamina A absorvida pelo organismo humano? Testado. Resultado: SIM.

(OBS.: Vocês vão reparar que o estudo linkado no problemas digestivos e no melhoria na absorção de vitamina A é o mesmo porque ele avaliou as duas coisas.)

Antes de continuar, gostaria só de deixar aqui esta informação: alimentos transgênicos são o tipo de alimento mais testado que existe antes de ser aprovado para consumo. Então acreditem em mim quando eu falo isto: se um transgênico chegou no nosso prato, é porque ele foi testado, analisado, testado mais uma vez e retestado de novo até não sobrar nenhuma dúvida quanto à sua segurança. Pode comer e ser feliz.

Assim podemos voltar para os dois últimos problemas enfrentados pelo arroz dourado, e ambos envolvem o fato dele ser transgênico.

A épica epopéia de uma descoberta científica, o arroz dourado parte IV: O resgate


Se você já está de saco cheio desta piada, eu também estou.
Tó uma montagem genérica sem nenhuma referência.

O terceiro problema enfrentado pelo arroz dourado é uma das palavras mais malditas do capitalismo moderno: patentes.

Durante todo o processo de obtenção do arroz dourado, os cientistas tiveram que se utilizar de métodos de manipulação genética desenvolvidos por diversos laboratórios, universidades e empresas. Como era de se esperar, a maior parte deles tinha sido patenteado.

No total, o projeto do arroz dourado utilizou 70 patentes de 32 empresas e universidades diferentes.

Ou seja, para poder levar o arroz dourado para o consumidor, era preciso pagar os royalties dessas 70 patentes, mesmo que esse consumidor fosse só um fazendeiro de subsistência no sudeste asiático.

Para piorar a situação, eis que aparece a União Européia.

Lembram quando eu disse que a Fundação Rockfeller foi quem financiou o projeto? Então, ela ajudou pra burro e sem ela nada teria acontecido, mas pelo que eu entendi, Ingo e sua equipe não estavam assim, nadando na grana. E em algum momento (não sei quando, nem sei exatamente porquê) entrou um pouco de dinheiro da UE no projeto.

Acontece que uma das cláusulas ligadas à participação da UE dizia que os parceiros privados dela teriam direitos sobre os resultados dos projetos por ela financiados. Ou seja, se algum dos parceiros da UE não quisesse que o arroz dourado fosse distribuído de graça, e quisesse cobrar os olhos da cara por ele, Ingo e Peter não teriam escolha a não ser aceitar, destruindo todo o propósito do projeto. Acho que nem mesmo um fã do livre mercado e do capitalismo consegue defender o absurdo de empresas privadas terem direitos sobre projetos científicos financiados com dinheiro público. Não sei se ainda é assim por lá, ou se é assim no mundo inteiro, mas que é o fim da picada, é.

Assim chegamos àquele que parece ser o maior obstáculo do arroz dourado: o capitalismo.

Entra em cena então a Zeneca (que hoje se chama Syngenta), um dos parceiros da UE envolvidos no projeto. Antes que alguém pergunte, sim, ela trabalhava, e ainda trabalha, com transgênicos. E também com agrotóxicos. Sim, parece ser uma empresa má, fria, cruel e capitalista.

Tanto que ela interferiu a favor dos criadores do arroz dourado, deixou eles ficarem com a patente no nome deles e ainda ajudou a resolver diversas pendências legais com as patentes, reduzindo-as de 70 para 12 (pelo menos para os países de terceiro mundo que mais precisam do arroz - patente é uma coisa de país para país e é uma confusão danada) e assim permitindo que o projeto pudesse ir pra frente. Além disso, ela se dispôs a ajudar com a parte administrativa do projeto de graça.

– Ah, mas com certeza eles devem estar levando alguma vantagem nessa história! – Berra algum desconfiado.

Sim, a Zeneca/Syngenta ficou com o direito de comercializar o arroz dourado, pelo que eu entendi.

– Ahá! Sabia que eles não valiam nada! – Berra novamente o desconfiado.

Sim, ela vai vender o arroz dourado, mas com uma condição: que agricultores de subsistência cuja a renda provinda do arroz não passe de US$10.000,00 por ano recebam sementes de graça. Esse limite engloba aproximadamente 99% da população dos países-alvo do projeto.

Ou seja, a Zeneca/Syngenta não vai fazer dinheiro com o arroz dourado nos locais onde ele é mais necessário.

Como se não bastasse isso, sabem as outras doze patentes? Os donos delas concordaram em deixar o projeto usá-las de graça nos países de terceiro mundo.

Inclusive a Monsanto.

Quando houve uma matéria sobre o projeto na revista Time, em 2000, a Monsanto entrou em contato com a equipe do projeto e ofereceu suas patentes de graça. Para qualquer lugar do mundo.

Eu quero que todos vocês, que provavelmente têm uma imagem negativa da Monsanto, que ouvem pessoas falando horrores da Monsanto, que vêem essas pichações escrito “Monsanto mata” pela cidade, lembrem-se sempre disso: a Monsanto ofereceu de graça todas as patentes envolvidas no arroz dourado. Ela renunciou todo e qualquer lucro que ela pudesse receber desse projeto. A Monsanto que você ouve falar por aí faria uma coisa dessas?

E antes que alguém venha falar que eles só estão interessados na publicidade positiva que viria disso (estou olhando pra você, desconfiado escandaloso), quero ressaltar que eu nunca vi, em lugar algum, a Monsanto alardeando este fato. E eu entro em sites de ciência pró-transgênico direto - e nunca vi ela falando nada sobre isso. Aliás, aqui está um trecho de um dos meus podcasts favoritos, o Skeptics' Guide to the Universe, discutindo mitos relacionados à Monsanto.

Sem contar que, se a vida miserável de milhares de pessoas miseráveis em lugares miseráveis melhora substancialmente no processo, dane-se que o objetivo final seja publicidade. Vai ajudar a humanidade? Tó todos os holofotes do mundo.

Aliás, a Monsanto não foi a única, a Bayer, a Novartis e a Japan Tobbaco (atual dona da Camel) também liberaram suas patentes. Não sei se no mundo inteiro, mas só queria mostrar que até uma empresa de tabaco liberou patente para o projeto.

E, só pra pôr uma cereja em cima, o arroz dourado é facilmente replantável, permitindo os agricultores de usar as sobras da colheita na próxima. Só quero ressaltar isso pois um dos grandes argumentos contra transgênicos é que eles criam uma dependência dos agricultores com as empresas que fornecem as sementes (o que não faz o menor sentido, os agricultores são livres para comprar a semente que bem entenderem ou guardar as sobras para a próxima colheita, eles que escolham a melhor opção, livre mercado e coisa e tal - mas vamos deixar essa discussão para outro dia), mas o arroz dourado não possui este problema. Que ele é replantável. E grátis. GÁ-RÁ-TCHÍS.

Resumindo: o arroz dourado venceu o capitalismo selvagem.

Seu potencial humanitário é tão grande que gigantes multinacionais concordaram em não receber nada da venda dele.

Eu não sei quanto a vocês, mas essa é a parte que mais me impressiona em toda a história do projeto.

Quero dizer, a parte que mais me impressiona positivamente.

Que agora vem a parte que mais me impressiona negativamente.

A épica epopéia de uma descoberta científica, o arroz dourado parte V: A batalha final


Referência: Adventure Time. Mais fácil e rápido assim.

O quarto obstáculo do arroz dourado. O obstáculo que não foi superado ainda, e que há mais de dez anos tem impedido ele de ser introduzido na maior parte dos países que mais se beneficiariam dele.

O medo.

O medo que as pessoas sentem quando ouvem a palavra transgênico.

Por incrível que pareça, o arroz dourado ainda não foi implementado em diversos países por causa do movimento anti-GMO (genetically modified organism, ou organismo modificado geneticamente) e suas campanhas, que espalham medo na população, fazendo a opinião pública ficar contra os alimentos transgênicos e, conseqüentemente, afetando as decisões políticas em torno do assunto.

Traduzindo: diversos países escolheram deixar crianças ficarem cegas ou mesmo parte da população passar fome do que aceitar alimentos transgênicos, mesmo depois deles terem sido extensivamente testados e confirmados como seguros para o consumo humano e o meio ambiente.

Eu, sinceramente, acho isso muito problemático.

Espero que vocês também.

Porque conhecer o arroz dourado foi um dos fatores que me fez mudar de posição quanto aos alimentos transgênicos.

Hora da historinha


Eu também tinha medo de transgênicos, eu também fiquei assustado quando ouvi pela primeira vez sobre mexer nos genes de plantas para criar novas e eu também era contra deixarmos um monte de cientistas loucos financiados por empresas gananciosas decidirem o que vamos ou não comer.

E, só pra constar, eu estou sendo bem sincero agora, não pensem que isto é uma daquelas estratégias de contar a história de como mudei de ponto de vista político só pra ganhar votos que assolaram o facebook na última eleição. Até porque, se for pra levar em conta o alcance do meu blog, eu tenho também plena consciência que não vou fazer a menor diferença estatística no mundo. Mas é que eu realmente queria escrever sobre tudo isso.

Vamos do começo. Acho que foi na sexta série, em 1996, o meu primeiro contato com o conceito de alimentos transgênicos, ou pelo menos é o que eu lembro. Era tema de um trabalho na escola, e tínhamos que elaborar uma apresentação sobre o lado bom e o lado ruim dos transgênicos.

Não me lembro muito claramente de como foi a apresentação, ou a nota que tiramos, ou sequer quais foram os principais argumentos usados à favor dos transgênicos (forçando os neurônios aqui, acho que falamos sobre melhorar a produção agrícola, mas é bem capaz do meu cérebro estar misturando diferentes memórias). Mas eu me lembro muito bem dos argumentos contra. Ou melhor, me lembro de três dos argumentos contra, que é bem capaz de ter tido mais:

O primeiro era uma questão girando em torno do “tomate com gene de peixe” e o que isso representaria para pessoas vegetarianas, se não era um jeito de impôr carne para elas, ou se não era antiético enganar elas desse jeito. Tinha até uma garota da classe que martelou forte essa idéia, provavelmente ela era vegetariana. Mas e o que o “pequeno” Vitor (ente aspas que eu já era gordo na época) pensava sobre isso? Quanto aos vegetarianos, eu pensava “quem mandou ser idiota de não comer carne?” (eu não era um pré-adolescente muito compreensivo), mas a imagem do tomate com o gene do peixe ficou na minha cabeça, principalmente porque na época eu ainda não gostava de sashimi (eu sou uma vergonha como descendente de japonês) e ficava pensando em sashimi com tomate e ficava meio enjoado. Que, sério, eca.

Eca.

O segundo argumento que eu me lembro tinha a ver com o meio ambiente, de como as plantas transgênicas iam cruzar com as plantas nativas e destruir tudo. Ponto. Era esse o argumento. Olhando em retrospecto, essa é uma argumentação bem rasa, mas ia esperar o quê de um trabalho de sexta série? Mesmo assim, este foi um dos argumentos mais marcantes para mim, pois eu tinha um lado meio ecologicozinho na época, de achar que proteger a natureza é o mais importante (o Capitão Planeta provavelmente contribuiu muito pra isso). Não que eu tenha deixado de acreditar em proteger a natureza, ainda me considero uma pessoa eco-friendly, mas eu acabei criando um desgosto com certas atitudes tidas como ecológicas mas que não possuem muito embasamento científico - como a própria postura anti-transgênico. Digamos assim: agora sou um ecologista com embasamento científico e suporte analítico de internet (tô me achando muito aqui, fala a verdade), ou seja, apóio idéias que protejam o meio ambiente que tenham sido corroborada pela ciência e por dados, mas meu apoio se restringe a divulgar informações e dar likes na internet, se for pra levantar a bunda e fazer algo mais significativo, fico com preguiça.

Eu falei que ia ser sincero, não falei?

De qualquer maneira, essa noção de que os transgênicos iam destruir o meio ambiente era o meu principal argumento contra eles quando eu tinha doze anos e continuou sendo por muito tempo, até alguns anos atrás. Mas estou me adiantando demais, ainda falta um argumento do meu trabalho escolar.

O terceiro argumento, pelo que eu me lembro, envolvia mudanças genéticas nos humanos. O que eu não consigo lembrar agora é se argumentamos que os alimentos transgênicos iriam afetar os genes das pessoas ou se as hortaliças transgênicas eram só o primeiro passo, que depois íamos estar experimentando em animais e depois em humanos criando doenças e problemas genéticos horríveis. Vou ser sincero mais uma vez: me lembro claramente de ter pensado algo como “então vamos criar os X-Men?” e ter achado isso muito legal. Mas eu tinha uma certa vergonha de compartilhar essa idéia, então não comentei nada sobre termos mutantes que nem o Wolverine ou a Jean Grey (achei que criar uma Tempestade era exagero, até para a minha imaginação da época). Fala sério, se desse pra fazer isso ia ter um monte de gente invadindo plantação de transgênicos e injetando eles direto na veia na esperança de ganhar super-poderes.

Enfim, esse trabalho foi o meu primeiro contato com transgênicos e o único por muito tempo. Sempre que surgia alguma conversa sobre o assunto, eu ia para o argumento do “o cruzamento de plantas transgênicas com plantas naturais é prejudicial ao meio ambiente”, os outros dois eu meio que ignorava.

Só que houve mais um argumento contra transgênicos adicionado para a minha lista, o argumento Monsanto.

Vocês já sabem do que eu estou falando, e até já falei um pouco disso. Mas ele foi um argumento que influenciou a minha visão de transgênicos de maneiras diferentes, então acho importante falar dele aqui.

A questão é que o argumento Monsanto tem diversas variantes, ou melhor, existem várias narrativas de como a Monsanto e as demais grandes empresas de transgênicos só querem ferrar com a nossa alimentação por causa do lucro.

A versão que eu mais me lembro de ter ouvido durante o colegial e a faculdade envolvia a Monsanto, as empresas de agrotóxicos e a indústria farmacêutica todas trabalharem juntas para criar transgênicos resistentes a pesticidas, permitindo seu uso excessivo nas plantações e, com isso, causar diversas doenças na população, que precisaria de remédios para se curar. Acho que os transgênicos também causavam algumas doenças, se não me engano. Os detalhes dessa história variavam de acordo com o dia da semana.

Sério, escrever este último parágrafo levou uns vinte minutos de tanto que eu tive que parar para fazer facepalms. Só faltou a maçonaria e os Illuminati nessa história. Mas acho que fazer um colegial de humanas e uma faculdade de comunicação (cinema, ainda por cima) me deixou em contato com uma juventude anti-capitalismo bem extrema, beirando teóricos da conspiração. E, se eu for sincero, eu também acreditava em algumas dessas teorias sobre grandes conspirações governamentais e organizações secretas capitalistas que manipulavam a população alienada (mas é claro que eu não era manipulado, eu era o grande bastião da esperança, aquele que enxergava o mundo como ele realmente é e ia mudá-lo para melhor). Até eu acreditei por um tempo que foi o próprio governo Bush que orquestrou o onze de setembro - mas daí chegou outubro e eu percebi que era tontice acreditar nisso.

Tendo dito tudo isto, a idéia de que a Monsanto era inescrupulosa e agia de maneira antiética ficou num canto da minha mente. Eu não acreditava na versão “teoria da conspiração Illuminati” mas tinha essa impressão geral de que ela era uma das empresas “do mal”, o que quer que isto signifique. Olhando em retrospecto, foi uma grande preguiça intelectual da minha parte simplesmente classificar ela como “do mal”, mas enfim.

Foi então que, alguns anos atrás, começou a coisa toda dos alimentos orgânicos.

E essa história me encheu de raiva, e pelo motivo mais tonto possível: semântica.

“Tudo o que a gente come é orgânico! Que separação estúpida é essa? Tem gente por aí comendo fruta de cera ou carne de plástico? Qual o significado da palavra? Coisas que vêm de seres vivos! Que se decompõe naturalmente! Adivinha o que entra nessa classificação? TUDO QUE A GENTE COME, PORRA!” – Eu berrava a plenos pulmões dentro da minha cabeça.

Querendo entender mais sobre essa palhaçada de deturpar a língua portuguesa, comecei a pesquisar pela internet por informações acerca de alimentos orgânicos, o que acabou me pondo novamente em contato com a discussão em torno dos transgênicos. E, como era de se esperar, achei diversos sites propagandeando alimentação orgânica e condenando alimentos transgênicos.

Só que, para minha grande surpresa, encontrei vários sites defendendo os transgênicos. Eu sinceramente tinha a impressão que transgênico era uma coisa que nem o nazismo: só pessoas com sérios problemas psicológicos defenderiam essa idéia. Mas muitos dos sites que eu achei eram de pessoas claramente sãs e inteligentes, e que haviam decidido defender os transgênicos online por algum motivo.

Obviamente, fiquei em dúvida sobre o que era verdade nessa história toda, mas enquanto eu lia sobre os dois lados, eu percebi uma coisa: o lado anti-transgênico estava repetindo os mesmos argumentos que eu tinha usado no meu trabalho de escola na sexta série. Ainda estavam contestando o tomate com gene de peixe, o cruzamento das plantas transgênicas com as nativas, a alteração genética que eles trariam para os humanos e, obviamente, a ganância capitalista de Monsanto e companhia.

Isso me deixou muito encucado. Se essas questões foram levantadas mais de dez anos atrás, por que ninguém foi tentar respondê-las, seja o pessoal pró, seja o pessoal contra, seja o pessoal neutro? Principalmente as questões relativas à saúde e ao meio ambiente, por que ninguém quis descobrir o que realmente acontece?

Resposta: nós respondemos essas perguntas. Diversos estudos, meta-estudos e reviews sistemáticos apontavam para a mesma conclusão: transgênicos são seguros para a nossa saúde e para o meio ambiente.

Tinham alguns estudos com resultados diferentes? Claro que tinham, inclusive eram os estudos que todos os sites anti-transgênico que eu lia apontavam.

Mas os sites pró-transgênicos discutiam esses estudos com resultados diferenciados, mostrando as críticas que foram feitas a eles por outros cientistas, assim como estudos similares mas que chegaram a resultados diferentes. E as críticas eram muito válidas, na minha opinião, muitas vezes relacionadas à dosagem, às espécies envolvidas e ao tamanho da amostragem. Foi assim que eu aprendi muito sobre o conceito de consenso científico e método científico, inclusive.

Foi aí que eu resolvi fazer o contrário, buscar nos sites anti-transgênicos as críticas feitas aos diversos estudos que demonstravam que transgênicos eram seguros.

E, para a minha grande decepção, o principal argumento que eu encontrei era que esses estudos foram todos pagos pelas grandes corporações capitalistas gananciosas que só querem lucro, logo não podiam ser considerados, já que dinheiro.

Eu fiquei muito, muito frustrado. Parecia que eu estava de volta na faculdade, onde qualquer coisa era um sinal do capitalismo selvagem destruindo a vida das pessoas. Foi um daqueles momentos que percebi que estava ficando velho, imagino que todo mundo passe por momentos assim, quando compreendemos que parte das nossas idéias quando jovens só faziam sentido porque éramos jovens ainda (jovens ainda, jovens ainda…), e não tínhamos informação o bastante para entender melhor o mundo.

Mas tudo bem, vamos considerar essa crítica como algo válido. Então onde está a prova de que os dados foram manipulados? Quando necessário, a comunidade científica pode pedir acesso aos “dados crus” (raw data em inglês, não sei o correspondente em português) de um estudo justamente para encontrar manipulações e aquilo que chamam de “cherry-picking”, que é quando apenas os dados que comprovam a hipótese buscada pelo pesquisador são considerados e ele ignora qualquer dado que o contrarie. E eu, sinceramente, não vi nada disso nos sites anti-transgênicos.

Tudo o que eu via era basicamente os mesmo argumentos do meu trabalho de 1996 mais as teorias da conspiração de manipulação capitalista. Além de uma dose cavalar da falácia naturalista, algo que eu já discuti aqui no blog, quando falei sobre o bom selvagem (não precisam ir ler de novo, o texto não é lá essas coisas…).

Ou seja, estava me parecendo cada vez mais que o pessoal anti-transgênico só queria ser anti-transgênico para ser anti-transgênico, e que eles não se importavam com a ciência envolvida.

Só que, mesmo assim, eu tinha um certo receio.

O receio de que talvez eu estivesse caindo na conversa da “indústria do transgênico”, e que eu estava sendo manipulado.

Porque eu ainda tinha essa vozinha do estudante de cinema na minha cabeça falando que as pessoas fazem qualquer coisa por lucro, que esse papo de revolução transgênica era só para agradar investidor e não era algo importante cientificamente falando, e que era possível que a indústria do transgênico tivesse tanto, mas tanto dinheiro que eles conseguiam pagar cientistas, fazendeiros e até governos para esconder a verdade.

E aí eu achei o arroz dourado.

E todas as minhas dúvidas foram embora.

Porque tínhamos aí um alimento transgênico criado para ajudar milhares de pessoas, com embasamento e respaldo científico, apoiado por diversas organizações humanitárias importantes e que a indústria do transgênico aceitou dar de graça para o mundo.

Agora eu sou pró-transgênico.

Vestindo a camisa.

Eu sinceramente não sei explicar porque esse arroz pesou tanto para eu me firmar na minha posição. Talvez pela história dele, da dedicação e do tempo que foi necessário para criá-lo. Talvez pelo potencial dele de evitar que milhares de crianças fiquem cegas. Talvez pelo fato de grandes empresas terem aceitado dá-lo de graça para quem precisa. Talvez porque eu só considere uma refeição completa se tem arroz nela. Provavelmente foi um combo de tudo (mas a coisa das empresas darem as patentes pesou mais).

Mas não é porque eu cheguei nessa posição com o arroz dourado que eu espero que vocês "se convertam" ou coisa parecida. Estou apenas contando a minha história e as conclusões que eu cheguei. Outras pessoas podem chegar a conclusões diferentes.

Tendo dito isto, queria, antes de terminar este já enormantesco post falando sobre algumas dúvidas relacionadas ao arroz dourado e transgênicos em geral (mas não muitas, que já falei demais).

Algumas respostas para algumas perguntas


Existem pessoas contra o arroz dourado? Claro que existem. O Greenpeace, por exemplo. O principal argumento deles (pelo que eu percebi) é que, ao invés de termos gasto todo esse dinheiro fazendo um arroz transgênico, era melhor ter investido ele em programas sociais para melhorar a vida da população miserável. Eu, pessoalmente, discordo dessa posição, pois acredito que desenvolver uma maneira de melhorar a alimentação de uma população já é um tipo de investimento social, pois, na minha cabeça, pessoas saudáveis são o primeiro passo de uma melhoria social.

Eles também apresentam outros argumentos, mas alguns deles, para minha grande frustração, são baseados em inverdades, como falar que não há nenhum estudo comprovando a segurança do consumo de transgênicos. Eu vou deixar aqui um artigo-resposta que eu achei sobre a posição do Greenpeace na questão, espero que isso ajude vocês a refletir sobre a questão.

Temos 100% de certeza absoluta que ele vai acabar com o falta de vitamina A no mundo? Não, não temos esse nível de certeza, pode muito bem acontecer do arroz dourado não ser bem aceito pela população local e termos que pensar outras soluções. Mas só vai dar pra saber tentando. Essa solução já está pronta, é só distribuí-la para ver se teremos um resultado positivo ou não. Ficar com ela na gaveta enquanto crianças morrem é uma questão ética complicada, na minha opinião.

A indústria do transgênico é, então, perfeita, já que o consenso científico é pró-transgênico? Claro que não. É muito importante continuarmos fiscalizando e observando suas ações, em momento algum eu disse que era para darmos de mão beijada toda a nossa alimentação, confiando cegamente na indústria do transgênico. Mas também não é para ficarmos tão contra ela que impedimos alimentos transgênicos que podem ajudar causas humanitárias de serem distribuídos e consumidos. Até porque, como já contei aqui, a própria indústria desistiu de boa parte dos seus lucros para ajudar a causa.

Acho importante também levantar uma coisa sobre a discussão relacionada à transgênicos: boa parte das críticas que leio por aí (além daquelas que eu usei na sexta série) envolvem mais problemas inerentes à agricultura predatória e à monocultura do que aos transgênicos. São coisas separadas, a meu ver. Monoculturas são prejudiciais sim ao meio ambiente e questões éticas e trabalhistas vindas da exploração de fazendeiros são um problema sim, mas eles não são decorrência da engenharia genética. Eu acredito piamente que, mesmo que não tivéssemos desenvolvido transgênicos, a indústria agrícola iria explorar tanto o solo quanto seus trabalhadores para conseguir mais lucro. O importante aqui, para mim, é mais fiscalizar as condições de trabalho dos fazendeiros e incentivar plantações de policultura, e não condenar a engenharia genética. Até porque alguns transgênicos melhoraram a vida de algumas comunidades rurais e estão sendo desenvolvidos transgênicos com o potencial de desgastar menos o solo.

Conclusão


Tecnologia é aquilo que fazemos dela, e fizemos uma coisa maravilhosa com transgênicos: um arroz colorido que pode salvar milhares de vidas.

Mas que nós não usamos. Porque ainda temos um medo irracional criado há mais de dez anos. Um medo que, se todos nós nos informássemos um pouco mais, veríamos que já sabemos o bastante para deixá-lo para trás.

Faz muito tempo que eu queria escrever este texto, mas sempre foi muito difícil, tanto porque eu não sou um cientista de formação quanto por achar que eu não tinha nada a acrescentar à conversa. E, no fundo, tinha também o pensamento de que dane-se, eventualmente a ciência vence.

Porém a discussão em torno dos transgênicos voltou à tona com a câmara acabando com a obrigatoriedade de avisar na embalagem que um alimento é transgênico (assunto, aliás, que é outro vespeiro à parte, talvez fale dele outro dia). E eu vi muita gente, mas muita gente, gente que eu conheço e sei que é inteligente e esclarecida, e mesmo gente que não conheço mas admiro e respeito usando os mesmos argumentos que eu tinha na sexta série sobre transgênicos.

Daí eu tive que escrever este texto.

Não espero nem quero que vocês aceitem de cara que transgênicos são uma coisa boa. Eu mesmo demorei para chegar à minha posição. O que eu espero e quero é que vocês pelo menos reflitam e pesquisem mais sobre o assunto, especialmente se sua opinião foi formada há mais de dez anos.

Mas se resolvam logo, que a gente tem que distribuir o arroz dourado o quanto antes.

Obrigado.