sexta-feira, 26 de julho de 2013

Cidadão Kent

Oi. Depois de assuntos sérios, voltemos às nerdices.

O assunto de hoje é o filme novo do Superman, “Man of Steel”. Se você não viu ainda, vou contar uma série de detalhes da história, então se você não gosta de spoilers, o Superman na verdade é o Clark Kent e você deve parar de ler agora.

Muito bem, vamos falar do filme.

Eu gostei do filme. Menos do que eu achei que ia gostar, mas me diverti bastante. Fui com uma expectativa meio alta também, e isso sempre estraga as coisas. Mas gostei do filme.

Quando saí do cinema.

Agora que já passou algum tempo e estou digerindo a experiência toda, estou começando a ficar incomodado com uma série de coisas. Na verdade, tiveram algumas coisas que me incomodaram ainda no cinema, mas que agora estão crescendo sem parar e me irritando.

Mas vamos por partes. Minha proposta, neste post, é recontar a história do filme do meu jeito. Sim, eu, este grande fã do Superman que nunca leu nenhuma HQ dele e que só viu aproximadamente metade dos episódios da série animada da Warner. Sem contar toda a minha credencial como escritor/roteirista, com todos os meus um fanzine de sucesso e o glorioso e aclamado prêmio de roteiro de mangá da AnimeFriends 2003 (ou 2004, não lembro e não me importo).

E aqui é onde ficaria algum prêmio decente para minhas capacidades literárias... Se eu tivesse algum

Em outras palavras,o blog é meu e eu escrevo o que eu quero e foda-se.

Muito bem, vamos do começo.

O começo é bom e eu deixava do jeito que está.

Por “começo”, estou falando da coisa toda em Krypton, com o Jor-El, a Lara e o Zod, contando o nascimento do Kal e o fim do planeta. Por mim, tá perfeito, deixa do jeito que está, até a parte que mostra a cápsula espacial chegando na Terra.

Daí temos o que eu chamo de “segundo ato”, que é a vida do Clark na Terra até a chegada do Zod. A partir daqui que eu mudaria as coisas. E faria o seguinte: ao invés de acompanharmos ele, como está no filme, eu deixaria a Lois conduzir a história.

Começaríamos com a Lois chegando no Canadá para reportar sobre a nave que encontraram debaixo do gelo. Acompanharíamos ela naquela coisa toda dela ver o Clark indo para o meio do nada durante a noite, com ela entrando no túnel no gelo e etc, mas sem mostrar o que ele está fazendo em momento algum. Ela seria atacada pelo robozitos de segurança e coisa e tal, o Clark aparece pra salvá-la e cauterizar o ferimento dela. Veríamos a nave indo embora e a Lois sendo encontrada.

Seqüência seguinte, ela discutindo com o Perry White Morpheus sobre a matéria, ela “vazando” a história e sendo afastada do Planeta Diário. Aí começava o que estou chamando de “Cidadão Kent”.

Para quem não viu “Cidadão Kane”, e não vou criticar quem não viu, a história gira em torno do repórter Jerry Thompson explorando a vida do milionário Charles Foster Kane, tentando descobrir porque sua última palavra foi “rosebud” antes de morrer (spoiler: é o apelido do pênis dele). E acompanhamos a vida de Kane através das diversas entrevistas que Thompson conduz com as pessoas que se envolveram com o milionário. Em outras palavras, flashbacks. Minha descrição não faz jus ao filme, quem tem saco de ver filme em PB eu recomendo, que é realmente bom.

E para quem não tem saco de ver filme em PB, vai largar a mão de ser idiota que muitos dos melhores filmes da história são em PB.

Enfim, voltando ao Superman. Uma das críticas que mais vi sobre o filme foram os flashbacks, que seriam excessivos e desconectados com o que acontece no “presente”, dando uma impressão meio aleatória para eles. Devo dizer que não me incomodei tanto com eles, mas concordo que poderiam ter sido melhor trabalhados.

Como?

Sendo narrados pelas pessoas que a Lois foi descobrindo ao investigar o cara com poderes mágicos que a salvou dentro da nave debaixo do gelo.

Funcionaria que nem “Cidadão Kane”, com ela encontrando e entrevistando uma pessoa, que narraria o episódio muito louco em que sua vida foi salva (ou seu caminhão foi destruído) pelo moreno smexy de peito peludo. Veríamos a trajetória do Clark em retrospectiva, até chegar na Martha, a mãe dele. Nesse momento poderíamos ter a história da morte do pai terráqueo (Jonathan) e, em seguida, a cena do cemitério, em que ela finalmente se reencontra com Clark, que contaria do dia que o pai revelou que ele é um alienígena.

Sim, eu sei que, do jeito que os flashbacks estão, eles não encaixariam perfeitamente nessa minha proposta, mas a idéia seria adaptar de acordo com a necessidade. E acho que assim fica uma coisa mais interessante, onde vamos criando essa imagem do Super sem vermos ele efetivamente. É como se recríassemos o Clark na nossa cabeça, fugindo de tudo o que já sabemos dele.

E tem uma coisa que eu “forçaria” nesse ato, que é demonstrar que “Superman não mata”. Conforme vou falar mais pra frente, acho importante construir essa idéia desde já.

Enfim, aí terminaria o ato “Cidadão Kent”. Na verdade, até esticaria mais um pouco, até a parte da Lois falando com o Perry White Morpheus que ela desistiu da história.

Só que ficou faltando uma seqüência: o Clark aprendendo o seu passado na nave com o Jor-El.

Antes de eu encaixar ela na minha versão do filme, tem duas coisas que me incomodaram profundamente nessa seqüência.

A primeira é a Lara-El não aparecer. Eu realmente acho uma certa puta sacanagem só o Jor-El ficar aparecendo como holograma-consciente-resolvedor-de-buraco-no-plot. Eu entendo o argumento “o Russel Crowe é mais caro, temos que aproveitar a grana que pagamos e fazer ele aparecer e falar bastante”, mas eu realmente acho estúpido não aparecer o holograma da Lara e o Clark/Kal NÃO PERGUNTAR SOBRE A MÃE NÃO ESTAR LÁ.

Até poderia ter a desculpa que naquele pen-drive kryptoniano não cabia a consciência dela, mas não cola: ficou uma coisa machista. Talvez Krypton seja mesmo só uma sociedade uber-patriarcal de merda.

A outra coisa que me deixou profundamente irritado foi a parte do discurso do Jor-El onde ele fala “você representa a liberdade de escolha, sem um futuro pré-definido” e em seguida diz “por isso sua missão é salvar e guiar as pessoas deste planetinha”.



Muitas memórias desagradáveis de familiares falando coisas como “faça a faculdade que quiser, desde que seja engenharia ou medicina”.

Jor-El, em nome de todo filho/filha que ouviu algum tipo de variação do seu discursinho hipócrita, vai tomar bem no meio do olho do seu cu.

O que eu faria ele dizer ao invés disso? Acho que ficaria só na questão do “você representa a libertação do povo de Krypton dos seus erros” e não falaria nada sobre missão nem porra nenhuma. O Clark/Kal perguntaria sobre o porquê de estar na Terra e Jor-El e Lara respondem “isso é você quem decide e constrói”.

Fica clichê melosinho e com um certo ar de chantagem emocional passivo-agressiva onde eles estão dando a entender que “se você escolher o caminho errado, vamos ficar profundamente decepcionados”? Fica, mas acho menos irritante que a versão hipócrita que tá lá.

Corrigido o que me incomoda nessa seqüência, falta encaixar ela na minha estrutura do filme. Eu a transformaria em outro flashback (quietos, não discutam), que ele contaria na sala de interrogação para a Lois, depois da ameaça em escala global do Zod e depois dele ter se entregado para o exército. Do jeito como a história está indo, funciona. Acho.

“Mas ele não pode contar para os militares sobre o planeta dele.”

Não vejo porque não, pra dizer a verdade. Até porque ele estaria contando para a Lois, que ele sabe que acredita nele. Ah, ele contaria também sobre aprender a voar, que eu gosto bastante dessa seqüência, é um dos momentos que mais me identifiquei com o Superman, já que eu provavelmente faria as mesmas caras de felicidade divertida que ele.

Agora que terminamos com o passado do Clark e ele virou oficialmente o Superman, podemos resolver o resto do filme, o ato final, que é a chegada e a treta com o Zod (sim, o Zod já chegou, mas deixem estar).

No geral, gosto de como o Zod é retratado no filme, assim como as tretas do Superman com ele, a Faora e o “camiseta vermelha”. E eu gosto da coisa da atmosfera terrestre versus a atmosfera kryptoniana, apesar de ter visto algumas pessoas (acho que umas duas) reclamarem disso. Eu prefiro isso que kryptonita. De uma maneira meio tonta, faz mais sentido que “esta pedra verde/preta/rosa/furta-cor de Krypton”. Espero que não tirem kryptonita do cu no próximo filme, a fraqueza dele tem que ser o Batman e fim.

Só que, como não podia deixar de ser, tem algumas coisas que me incomodaram. Profundamente.

A primeira: por que eles levaram a Lois para a nave?

Não lembro da explicação dada no filme. Se alguém se lembra, por favor me ilumine, talvez até tenha sido algo muito válido e que faça todo o sentido do mundo.

Mas, no momento, não consigo pensar em nenhuma explicação lógica o bastante para ela ter sido levada pra lá.

Para ser uma refém e chantagearem o Super? Bem, então eles realmente não sabem usar uma refém, pois não me lembro de ninguém apontando uma arma na cabeça da Lois exigindo informação dele. Sem contar que eles tinham sete bilhões de reféns, não precisavam da Lois na nave - eles dão a entender que podem matar todos os humanos desde que chegam na Terra, bastaria seguir o exemplo do Grand Moff Tarkin.

Tudo o que eu vi acontecer foi eles assistirem o Superman passar mal e prenderem ele, COMO ELES ESPERAVAM QUE FOSSE ACONTECER. Ou seja, se eles sabiam que, no mínimo, Kal ia perder os poderes na nave, não ia ser difícil prum bando de soldados kryptonianos prenderem ele, o que tiraria a necessidade de ter uma refém. Na nave.

Ok, então ela não era uma refém. Existe outra explicação possível para terem levado ela: extrair as informações que eles queriam dela (no caso, o local da cápsula com que Kal-El chegou na Terra), caso não conseguissem com ele.

Bem, eles demonstraram que possuem uma tecnologia capaz de invadir e ler a mente de qualquer um. E não tinha como eles terem certeza de que ela saberia onde estava a cápsula. Mas eles tinham certeza mais que absoluta que Kal saberia. Tipo, sem a menor sombra de dúvida. Logo, não precisavam da Lois lá, pois eles conseguiriam a informação com o Kal de qualquer jeito.

No final das contas, o verdadeiro motivo da Lois estar na nave é: “nós, roteiristas, precisamos fazer com que o Superman consiga escapar” e ela era a solução mais próxima, além de servir pra ela ser mais “útil” que uma mocinha em perigo esperando o príncipe pra salvá-la. Nada contra essa parte dela ser mais “útil”, acho muito válido, mas preferia que os roteiristas tivessem se esforçado um pouco mais para justificar a ida dela à nave.

O problema é que não tenho nenhuma alternativa melhor. Podia ser o clássico “ela quis ir e encheu tanto o saco que a Faora levou ela junto”, mas essa é uma alternativa pior, que ia fazer todo mundo (tanto os personagens do filme quanto o público) ficar meio de saco cheio com a Lois. Outra possibilidade é a Terra (subentenda: os EUA) ter preparado uma comitivazinha pra ir na nave como embaixadores da Terra (América) e a Lois conseguiu sei lá como ser a representante da mídia da Terra (Iú És Ei! Iú És Ei! Iú És Ei!). Só que essa também é ruim, já que ninguém em sã consciência iria preparar embaixadores depois de ter recebido uma ameaça de extermínio.

No final, por mais que eu queira manter a importância da Lois como parte da solução (ou seja, ela ajudando o Super a fugir), acho que o melhor seria o Superman ter conseguido fugir “sozinho”, com a ajuda do pai-holograma e a mãe-holograma, e a Lois nunca ter ido pra nave. Sei lá, ele enfiou o pen-drive do pai, que estaria escondido, numa das diversas entradas USB da nave.

Enfim, segunda coisa que me incomodou, e que, novamente, não me lembro com todos os detalhes e posso estar falando do cu: o fato do Zod ter levado a nave “última esperança de Krypton” para a treta, o que, em última estância, colaborou para o Superman ter destruído ela.

Acho que essa é bem auto-explicativa: se aquela nave era tão importante, por que caralho levar ela pro meio da merdaiada?

Aí que entra em cena minhas memórias fabricadas do filme e eu precisaria de mais gente me corrigindo (a pessoa com quem vi o filme me disse que estou lembrando errado, mas queria ter mais gente apontando o dedo na minha cara e falando que estou enganado) ou confirmando o que eu lembro: o Zod foi com outra nave até a Nave Jesus, logo ele podia simplesmente ter largado a Nave Maomé lá na neve e ter ido com a outra nave até a treta, mantendo a Nave Luke Skywalker a salvo.

Só que eu posso estar errado e, na verdade, ele foi de carona pra lá e ficou de voltar com a nave Frodo mesmo. Aí não tinha muito o que fazer. A não ser, por exemplo, ter estacionado a Nave Harry Potter perto de Metropolis e ter ido saltitando pra treta.

Ou, quem sabe, ter deixado pra ir pegar a Nave Siddhartha depois que tudo estivesse 100% garantido e salvo. Acho até que essa teria sido a melhor solução, principalmente para criar o dilema para o Clark/Kal se ele ressuscita ou não os kryptonianos.

Mas era importante para a luta final deixar o Zod sem ter nada a perder, então eu entendo os roteiristas terem destruído a Nave Acabaram Os Salvadores Do Meu Repertório E Não Estou A Fim De Pesquisar Mais. Mas que pareceu uma péssima decisão do Zod, pareceu.

E, assim, chegamos à terceira coisa que me incomodou nesse ato final, e que foi o que mais me irritou no filme inteiro: a seqüência da Grand Central Station.

A parte que o Superman mata o Zod.

Muito bem.

Caralho.

Como eu me irritei com essa parte.

Comecemos com o motivo mais banal possível: milhões de pessoas já tinham morrido até aquela parte do filme, por que caralhacete aqueles transeuntes tontos que não sabem fugir duma cidade sendo destruída seriam tão importantes assim?

Sério, o Super não percebeu que eles arrasaram a cidade inteira enquanto lutavam, não? Acho até que era para ter umas manchas de sangue alheio nas roupas deles, ou mesmo um membro arrancado de alguém que foi explodido quando um dos dois saiu voando dentro de um prédio.

Como sou um fresco, não tive muita coragem de procurar imagens de "membros decepados ensangüentados" no Google, por isso desenhei alguns. Só que depois de dez minutos, cansei, e deixei só esses. Me deixem em paz.

Ou seja, que bosta, heim, Superman? Saiu destruindo tudo e agora que você fica preocupadinho que uns quatro ou cinco inocentes vão morrer?

Na verdade, o problema não é bem pesar a vida de poucos contra a vida de milhões (apesar de que é exatamente isso que eu fiz nos parágrafos anteriores), mas sim que faltou “drama” nessa cena. Faltou impacto cinematográfico-emocional. Ou seja, pelo menos pra mim, ficou uma coisa meio “sério que você matou o Zod só por isso?”

Voltando ao que eu falei lá na parte do “Cidadão Kent”: do jeito que o filme está, acho que não foi bem passada a idéia de que “Superman não mata”. Por causa disso, imagino que quem não conhece essa faceta dele, não entende direito o porque dele ter sofrido tanto ao matar o Zod, o que tira boa parte do peso emocional dessa seqüência.

A outra coisa é que temos (ou eu tive, pelo menos) a sensação que o Superman só sofreu com a morte do Zod, e não percebeu todas as outras milhões de mortes que aconteceram, em certo grau, por causa dele.

Faltou o Super ter olhado em volta, visto o rebosteio que ele causou na cidade lutando com o Zod (ou mesmo ter percebido todas as mortes que foram causadas pelo Zod antes da treta ter começado) e isso ter pesado ainda mais na consciência dele para matar o cara, e não só os transeuntes tontos sendo ameaçados.

E, por fim, temos os transeuntes tontos.

Sim, é moralmente discutível pesar a morte de milhões contra a morte de quatro/cinco pessoas, mas eu realmente acho que poderia ter sido algo mais exagerado, como o Zod ameaçando derrubar mais alguns prédios com a visão de calor. Ou uma usina nuclear, sei lá.

Só que ameaçar algumas estruturas de concreto não causa tanto impacto emocional quanto ameaçar pessoas de carne e osso com olhares de desespero e choro para a câmera captar, então vale mais a pena ameaçar os tais transeuntes tontos.

Mas aí eu sinto que foi desperdiçada uma chance de ouro de terem “hollywoodizado” ao máximo essa parte.

Estou falando do Zod ter ameaçado um pai com o seu filho, e ter tido aquela troca de olhares entre o Super e a criança, deixando a coisa bem melosa pra caralho, com o pai em tal posição que percebemos que ele está disposto a dar a vida pelo filho.

Sério, como foi que não fizeram essa cena assim?

Hollywood, tem hora que você me decepciona.

E, quanto mais penso em todo o potencial perdido dessa seqüência, principalmente no sentido de não ter sido trabalhada a coisa toda do “Superman não mata” e o apelo emocional de “pais estão sempre dispostos a dar a vida pelos filhos”, fico irritado. Pra cacete.

No fundo, repensando o filme inteiro, a sensação que eu tenho é de “potencial desperdiçado”. Poderíamos ter tido um filme mais interessante, com um Superman mais humanizado e uma narrativa mais trabalhada. Mas parece que quiseram cortar uns caminhos e fazer do jeito mais fácil.

E eu também tenho plena consciência que a minha versão da história não é tão melhor assim, até por ser um tipo de “salada tonal”, onde o ritmo da narrativa muda demais de um ato para outro.

Só que, como um bom nerd, tenho que reclamar e inventar minha versão da história e acreditar que ela é melhor que a que está lá. Afinal, isso é algo que nerds fazem, não é mesmo?