quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Faixas de pedestres e flatulência cerebral.


Este é o post que eu fui e voltei e fui e não conseguia terminar. Agora consegui. Não tá fantástico, mas eu precisava acabar ele, de um jeito ou de outro. Enfim.

Nova Iorque. De novo.

Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foi o trânsito de lá. Ou o que eu pude ver do trânsito indo de van do aeroporto até o hotel.

E me pareceu ainda pior que o trânsito de São Paulo.

É, eu sei. Soa impossível, mas realmente parecia pior. Carros cortando as faixas de um lado para o outro, fechando cruzamentos e… bem… essas duas coisas que me chamaram a atenção a princípio. Coisas que você nunca vê em São Paulo.

Como este é o único jeito das pessoas entenderem sarcasmo hoje em dia, aqui está a hashtag.

Depois teve outra coisa que me incomodou muito: os motoristas ignorarem, em grande parte, a faixa de pedestre. Estou falando de parar o carro em cima da faixa no farol vermelho. Parecia que isso simplesmente “é parte do processo”, ou seja, é esperado por todos que os carros parem em cima da faixa. Aqui, pelo menos, ainda dá multa, fazendo com que a maioria dos motoristas evite parar na faixa. Acho.

Enfim, nos primeiros dias, eu tava bem incomodado com o trânsito de Nova Iorque. Me parecia que o pedestre era ainda mais ignorado que em São Paulo.

Só que, depois de alguns dias, eu acabei percebendo uma coisa muito interessante sobre o trânsito lá: não havia semáforos de três fases, como aqui, com o “turno do pedestre”. Lá só tinham duas fases, ambas para os carros. O pedestre? Bem, ele atravessava quando o sinal de pedestre deixava. E era no mesmo momento que os carros que estão indo paralelamente aos pedestres que estão atravessando a rua. Ou seja, o sinal dos carros e o dos pedestres que vão na mesma direção “ficam verdes” ao mesmo tempo. Não sei se deu pra visualizar. Não sou tão bom pra descrever as coisas como o Tolkien.

Só que fica a pergunta: “E se o motorista quiser virar? Vai ter um bando de pedestres atravessando a rua (na faixa, devo ressaltar), o que o motorista nova-iorquino faz?”

Ele pára e espera.

*** Nota não relacionada: o acento agudo de “pára”, do verbo parar, é um dos acentos mais importantes da língua portuguesa, e nunca vou deixar de usar ele, e o novo acordo ortográfico pode ir pra puta que pariu. ***

Sério.

Deixem essa idéia se aprofundar na sua massa cinzenta.

Motoristas parando para pedestres atravessarem sem uma luz mágica específica mandando eles fazerem isso.

No começo, eu ainda parava, olhando para o motorista com cara de cachorro faminto, esperando ele fazer sinalzinho com a mão para eu atravessar (ou não).

Mas o resto da horda de pedestres continuava atravessando como se não houvesse amanhã.

Ou seja, é esperado que o motorista pare para o pedestre atravessar. Por isso, não há semáforo de três fases. O sinal é para todos. E o pedestre tem prioridade.

Acho que é até por causa disso que o trânsito lá é tão horrível - em mais de uma ocasião eu vi só uns dois carros conseguirem passar pelo semáforo por causa da enorme quantidade de pedestres atravessando, gerando um acúmulo de automóveis nos faróis.

Observando mais o comportamento dos pedestres, percebi também que eles (a gigantesca maioria, pelo menos) realmente atravessam na faixa de pedestres. Por aqui é bem um “se dá, sai correndo e atravessa agora”, mas lá as pessoas realmente pareciam dispostas a andar até a faixa e esperar o sinal de pedestres abrir. Acho até que foi um dos momentos que mais me senti turista, quando atravessei uma rua fora da faixa.

Olha só como sou turista, atravessando fora da faixa.

Quando percebi isso, mudei um tanto de idéia sobre trânsito de Nova Iorque. Me pareceu mais civilizado que o de São Paulo.

Agora, porém, olhando em retrospecto, não sei se isso realmente faz o trânsito de NY melhor.

Quero dizer, é legal que o pedestre tem essa prioridade, mas, como já disse, acabava atrapalhando bastante a circulação dos carros. Só que comecei a achar esse esquema relativamente mais perigoso para o pedestre.

É que, a partir de um momento, o pedestre começa a confiar demais no sinal verde e vai atravessando cegamente. Vai que, bem nesse momento, temos um motorista distraído, enviando um SMS enquanto ouve um audiobook e olha o caminho indicado pelo seu GPS?

Pois é.

Aqui chegamos ao assunto que eu realmente queria elaborar, algo que eu fico minhocando bastante toda vez que eu saio a pé por aí (todo dia).

O quanto que eu confio a minha vida nessa luzinha mágica do semáforo?

Muito, aparentemente.

A ponto de ir atravessando a rua sem olhar para os dois lados antes, olhando apenas para o semáforo de pedestres. E arriscando minha vida no processo.

Afinal de contas, o que vai me dar uma visão melhor da rua e do fluxo de carros, o sinal de pedestres ou A PORRA DA RUA?

Mas eu cresci me condicionando a ficar alternando o olhar do semáforo e a rua, sempre tentando ver o melhor momento de atravessar. Se o farol de pedestres tá vermelho, mas não tem carro vindo, eu atravesso. Só que, se o farol de pedestres tá verde, eu não confiro a rua, eu simplesmente vou na fé, crente que o processo civilizatório (o sinal vermelho) vai me proteger.

Os nova-iorquinos elevaram o nível disso, aparentemente, já que nem tem a “fase do pedestre atravessar”. Abriu o sinal, vamos que vamos, a civilização segura as pontas.

Enfim, isso é o glorioso Contrato Social. Nos submetemos a uma série de regras para conseguirmos viver em sociedade. Não quero parecer muito metido, então nem vou me aprofundar no assunto. Se te interessa, vai ler Hobbes. Não, o outro Hobbes.

Mas eu acho que as regras do processo civilizatório superestimam demais o cérebro humano. Afinal de contas, ao confiarmos demais nas engrenagens da sociedade, esquecemos de um fato imutável e absoluto:

Cérebro peida.

O cérebro de todo mundo peida.

E, quando o cérebro peida, a gente perde um momento do desenrolar do tempo-espaço contínuo e isso potencializa a merda.

E sabem o que ajuda a fazer o cérebro peidar?

Excesso de informação.

Muito bem, deixa eu explicar melhor. Voltar para à questão do trânsito. Faixa de pedestre.

Lá estou eu me preparando para atravessar a rua. Tenho duas fontes de informação para dividir meu cérebro. O semáforo e os carros vindo. Uma hora olho pra um e outra pra outro.

Quando meu cérebro conclui que eu posso atravessar, lá vou eu.

Só que, de repente, meu cérebro peida. Olho só para o semáforo. Tá verde pra mim. Não olho a rua. Só que um cara deu aquela aceleradinha pra passar no farol quando ele tá fechando. Pronto, ataque do coração pra todo mundo.

Agora, vamos piorar a situação.

Além do farol e dos carros, estou ouvindo um podcast ou uma música. E estou jogando alguma bobagem no iPhone, como Jetpack Joyride. Ou, quem sabe, estou lendo um livro ou um mangá. E estou bebendo alguma coisa. E, além disso, tem uma “moça da vida” vestida que nem atendente de telemarketing na sexta feira, ou seja, só um tapa-sexo, querendo atravessar a rua também. Ou, ainda, tem alguém com um pug na calçada, algo que sempre me chama a atenção. Sem contar o cheiro nojento de óleo com yakissoba do carrinho na esquina.

Meu cérebro me diz para voltar pra casa.

Resumindo, estou alimentando meu cérebro com feijoada requintada, salada de repolho estragado e torta de batata doce.

Mas eu confio na sociedade. Bato o olho no semáforo, olho de relance para ver se os carros estão parando, e atravesso a rua. Ainda estou vivo.

Acho que estou me perdendo de novo.

O ponto que estou querendo chegar, ou melhor, o questionamento que estou levantando (me senti o lorde filósofo, agora), é o quanto confiamos no nosso cérebro, no cérebro do motorista e no processo civilizatório para fazer uma coisa tão banal quanto atravessar a rua.

Porque nenhum deles é realmente confiável.

Quanto aos nossos cérebros, eles se distraem com qualquer coisa. Não foram feitos para multi-tasking, não importa o quanto nos enganamos quanto à isso. E, quando estamos interagindo no trânsito, a menor distração pode ser fatal.

E a sociedade tenta organizar o seu funcionamento com regras e sinais para nos guiar.

Só que, olhando com calma, um acaba funcionando contra o outro.

Excesso de sinais de trânsito acaba criando pessoas que prestam mais atenção neles que nas outras pessoas, gerando situações perigosas, onde resolvemos atravessar um sinal verde sem antes ter certeza que é realmente seguro.

Sim, o Cracked já falou disso não apenas uma, mas duas vezes. Mas achei tão interessante que quis dar a minha visão dessa merda toda.

Então, basicamente, estou tentando avisar a todos a serem mais cuidadosos no trânsito, preservar mais a vida dos outros, e pararmos de nos distrair com qualquer coisa, dando prioridade às nossas vidas.

Certo?

Mais ou menos.

Que, sinceramente, tenho muitos podcasts para ouvir. Se eu não ouvir enquanto estiver andando por aí, não vou ouvir nunca. E isso é importante. Pra mim.

Assim como tem gente que precisa, sei lá, ler Cinqüenta Tons de Cinza enquanto anda por aí, assim como tem gente que precisa ouvir o jogo do Curíntia enquanto dirige.

E, para isso, precisamos desses sinais cuidando da gente enquanto estamos ocupando nosso cérebro com outras coisas. Mais importantes. Que nossa segurança.

Enfim.

Melhor parar antes que eu aceite os imbecis que tentam mandar SMSs enquanto dirigem.

Não sei mais onde quero chegar com este post.

Vamos concluir assim:

Até inventarem meios de teletransporte ou roupas super resistentes que nos protejam do impacto de um carro a oitenta quilômetros por hora, precisamos equilibrar a atenção que damos para o trânsito e para outras coisas, como podcasts, livros e moças de telemarketing.

Temos todos que seguir a lição que aquela pessoa muito importante para todos nós nos ensinou quando éramos mais jovens:

Seja cuidadoso ou seja atropelado.

Se entender essa imagem, quinhentos pontos de internet pra você.